terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Para combater as drogas, jovens residentes fazem teatro

Espetáculo 'Sem Fissura', dirigido pelo ator Licurgo Spínola, já foi assistida por mais de 3 mil alagoanos em três meses

A indústria das drogas em Alagoas encontrou um adversário forte, que age sutilmente e cria raízes seguras pelo caminho alternativo da não violência: a arte. Residentes de casas de acolhimento para jovens vítimas de envolvimento com drogas participaram de uma oficina de teatro que desencadeou em uma série de espetáculos vistos por mais de 3 mil alagoanos, apenas nos últimos três meses. ‘Sem Fissura’, montada pelos jovens do Projeto Sarar, é a peça que está em ‘cartaz’ no momento.

Se as drogas têm um ‘poder’ de disseminar uma série de desastres, do vício e desestruturação familiar à morte, a vontade de combatê-las já pode ser considerada um páreo duro. Desta vez, os trabalhos foram feitos por meio de uma mistura de acasos e atitudes, levando à prática a máxima de que ‘a vida imita a arte e a arte imita a vida’.

Convidado pela assessora especial da Secretaria da Paz, Maristela Pozitano, e pelo presidente da ONG Maceió Voluntários, André Carnaúba, o ator Licurgo Spínola – que à época ministrava a oficina de teatro Identidade em Maceió – aceitou o desafio de realizar o curso com a temática das drogas para os grupos vulneráveis.

“Quando fui convidado, disse que nunca havia adaptado a oficina para uma temática específica de drogas, mas que aceitaria o desafio”, explicou o ator. “Foram realizadas oficinas em três casas de reabilitação, com turmas de 20 pessoas. Todo o espetáculo foi criado pelos próprios atores, e dirigido por mim, de onde mostram as situações em que eles passaram”, relatou. “A peça traz detalhes de como o jovem começa a usar as drogas, como é sua relação com o crack, o vício, quais os procedimentos para o uso e, principalmente, as consequências”, acrescentou.

Segundo Licurgo, Maristela e André Carnaúba, o espetáculo tornou-se um sucesso em cadeia, promovendo dois serviços ao mesmo tempo: por um lado, uma conscientização do público que assistia no palco jovens dramatizando vivências semelhantes às que tiveram ‘na vida real’; por outro, um estímulo aos próprios atores para que permaneçam longe dos entorpecentes e alavanquem suas próprias vidas de modo produtivo.

“Há nisso tudo um processo. Eles causavam prejuízo para a sociedade quando estavam envolvidos com drogas e assaltavam ou roubavam. Em seguida, tornaram-se neutros quando entraram nas clínicas de habilitação. Agora colaboram para combater o vício e as drogas. Ou seja, eles deixaram de ser problema e tornaram-se solução”, emendou Licurgo.

E de solução para exemplo. Segundo o residente Ronald Alves, de 22 anos, conhecido como ‘Iuri’, as peças começam com doses de humor e terminam com um 'quê' mais pesado, remetendo à própria realidade de quem vive como usuário de drogas. Ao final, o público pode fazer várias perguntas aos atores a respeito de suas próprias vidas. “Podem perguntar o que quiser. E eles perguntam mesmo. Quem já matou, quem já foi preso. Nós respondemos tudo”, contou.

Para Ronald, isto provocou uma mudança em sua própria forma de encarar a si mesmo. “Antes eu tinha vergonha do que passei, de mostrar o que eu fiz”, contou. Aos 22 anos, Ronald já enfrentou ‘muitas e boas’ devido à ‘fissura’ por drogas: já foi preso, sofreu sérios golpes de facada por meros R$ 5, que seria usado para comprar crack. As cicatrizes deixadas são encaradas de forma positiva. “Hoje não tenho vergonha de nada do que aconteceu. Virou lição. E faço questão de mostrar quem fui antes e quem sou agora, para evitar que as pessoas passem por isso”, finalizou.

’Não cobramos nada. Só queremos chuteira para jogar futebol’, diz ator

O trabalho começou mesmo com orçamento quase nulo. No início, Licurgo Spínola atuava voluntariamente. Hoje, o projeto tem apoio de instituições, mas também segue de modo independente por meio da Sepaz e da ONG Maceió Voluntários. Quem quiser que os garotos se apresentem, basta convidá-los e se responsabilizar por transporte e lanche.

“Só é chamar. É tudo de graça”, contou o Ronald Alves. Como todo o trabalho é exposto de forma gratuita, as doações e apoios são mais do que bem vindos. E eles não pedem muito. “Queremos jogar futebol, então pedimos chuteiras, tornozeleiras, camisas e bolas, para que possamos jogar”, diz Iuri.

As doações também podem ser em quilos de alimentos não perecíveis, mas o projeto também precisa de apoios sólidos. “É muito mais barato apoiar projetos como este, do que lidar com as consequências do tráfico, do vício, de assaltos e mortes que acontecem devido ao problema com as drogas. É necessário e muito mais eficiente trabalhar com a prevenção”, diz Licurgo.

’Agentes da Paz’

De acordo com a assessora da Sepaz, a oficina faz parte de um projeto ainda maior, denominado ‘Agentes da Paz’, que procura criar multiplicadores da cultura da paz, por meio de cursos de capacitação. “Na verdade, esta oficina ministrada pelo Licurgo é um dos cursos que procuramos promover para multiplicadores dentro do programa ‘Agentes da Paz’”, esclarece Maristela.

“O programa de capacitação tem duração de 40 horas e é destinado a membros da sociedade civil que queiram efetivamente disseminar a cultura da paz. A capacitação trata de diversos assuntos e desafios enfrentados hoje como os valores humanos, a cidadania, o meio ambiente, a prevenção às drogas e a família”, relata.

Para André Carnaúba, o projeto tem alcançado boa parte dos alagoanos. “O projeto tem em si o efeito multiplicador. Os agentes são capacitados e levam essas informações às suas comunidades, de modo que ele sempre estará estendendo a corrente. A oficina de teatro é uma das que está inserida no programa. Em três meses, a oficina já foi feita em três casas de reabilitação e mais de três mil pessoas tiveram acesso à conscientização quanto à prevenção. No próximo ano, vamos tentar realizar a oficina nas outras 14 casas”, emendou.

Quem souber realizar algum tipo de atividade manual, como artesanato, e que queira ensinar nas casas de reabilitação, também será bem vindo, segundo Maristela Pozitano. Para assistir o espetáculo ‘Sem Fissura’, também basta procurar a Secretaria da Paz ou a ONG Maceió Voluntários.

Data: 28/11/2010
Fonte: GazetaWeb.com - Alagoas
Site: http://gazetaweb.globo.com/v2/noticias/texto_completo.php?c=217623
Foto: Roberta Baptista